Fevereiro de 2005, na Conferência de Biodinâmica em
Dornach
Terra
e Cosmo
Vamos primeiro olhar para o nosso
conceito convencional de terra e cosmo. A astronomia e a astrofísica modernas
apresentam uma escala que vai de sensata a devastadora. Desde a descoberta da
análise espectral por Kirchhoff e Bunsen em 1859, esta polaridade terra cosmo,
como ela é vista pelo observador casual, desaparece. A análise espectral criou
o fundamento para a única visão aceita atualmente,: que o cosmo é nada mais do
que uma continuidade de matéria física. Visto da terra, o cosmo é uma extensão
da terra – matéria em variados graus de densidade. Vista do cosmo a terra é um
grão de poeira entre muitos outros no universo. Isto quer dizer que não podemos
falar de uma polaridade terra-cosmo nesta continuidade de matéria. De qualquer
forma, a consciência humana tinha que chegar a este beco sem saída para que o
homem, na sua busca individual de conhecimento, chegasse a uma nova abordagem
de terra e cosmo.
A consciência humana se desenvolveu
desde o tempo dos Mistérios, quando a humanidade se sentia dentro de uma outra
polaridade, a polaridade macrocosmo-microcosmo. A Antroposofia dá uma nova
visão disto. A idéia do macrocosmo incluía a unidade de céus e terra. Em
contraste a isto, o ser humano se sentia como microcosmo que trazia em si mesmo
tudo que está contido no macrocosmo. Então, o ser humano é um microcosmo entre
o céu e a terra. Ele carrega ambos no seu ser, e através da sua
auto-consciência microcósmica pode desenvolver a faculdade de saltar para um
conhecimento macrocósmico do mundo. A Ciência Espiritual dá os resultados de
tal conhecimento do mundo. Ela mostra como a polaridade terra-cosmo só se
desenvolveu no decorrer da evolução humana.
Como agricultores, se colocamos nosso
trabalho nesta polaridade cosmos-terra e trabalhamos criativamente com ela,
então qual tarefa nos cabe agora e no futuro? Será que somos simplesmente
criaturas desta polaridade, como as pedras, plantas e animais, ou podemos ser
criadores ao mesmo tempo? Qual é o caminho de criatura a criador? Como podemos
nos conscientizar da nossa situação como criadores? Eu gostaria agora de focar
nestas perguntas.
Vamos tentar nos aproximar desta
polaridade terra-cosmo. Em nenhum lugar podemos ver a terra ou o cosmo por si
mesmos; vemos sempre o resultado do entretecer dos dois. A natureza ao nosso
redor é cósmica e terrena ao mesmo tempo em todas as suas formas e
manifestações. Contudo, o que a terra é, e o que o cosmos é, não é evidente.
Mesmo assim, com tudo que a nossa vista apresenta à nossa alma através dos
sentidos, podemos perguntar, o que é uma expressão do trabalho do cosmos, e o
que é uma expressão do trabalho da terra? Rudolf Steiner chama nossa atenção
para esta abordagem no Curso Agrícola. Ele não descreve o cosmo como cosmo e a
terra como terra. Ele nos desafia a reconhecer no fenômeno o que aponta em
direção a uma ação do cosmos e o que aponta para uma ação da terra. Uma
passagem crucial na segunda palestra do Curso Agrícola diz, “isto entretanto, é
o ABC para o nosso julgamento no crescimento das plantas. Precisamos sempre ser
capazes de dizer, o que na planta é cósmico e o que é terrestre, ou terreno.”
O sol
O peculiar é que nós podemos ter o
sentimento mais intenso do puro elemento cósmico quando o sol não está no céu,
quando olhamos para o céu à noite, semeado como ele é com estrelas. Então
podemos sentir como se estivéssemos removidos da terra. Durante o dia, quando o
sol está no firmamento, sentimos que estamos removidos do cosmo e mais
intensamente ligados com a terra. O sol nos cega quando olhamos para ele e
extingue todo o firmamento estrelado com a sua luz. Ele nos direciona para a
terra, e nosso olhar cai especialmente no mundo das plantas. Este está situado
bem no meio, entre o âmbito mineral, que tende mais para a terra, e o âmbito
animal que carrega o elemento cósmico como sua natureza anímica na terra. Os animais,
de acordo com Rudolf Steiner, são hóspedes do cosmos na terra. O reino das
plantas, em contraste, revela de uma maneira clara o relacionamento em
constante mudança entre as forças cósmicas e terrenas. Isto é demonstrado
através do simples exame de uma semente que cai na terra. Suas raízes crescem
verticalmente para baixo para a escuridão e para as profundezas da terra,
enquanto seu broto cresce verticalmente para cima ao encontro dos raios do sol.
Olhando para as plantas dessa forma,
podemos dizer que nada representa o cosmos mais fortemente do que a estrela
central, o sol, na sua posição face a face com a terra. Se falamos do cosmos,
falamos do sol; no sol tudo se junta, sejam as ações dos planetas (ou estrelas
peregrinas, como muito apropriadamente se fala em inglês – “wandering stars”
N.T.) ou das estrelas do zodíaco, as estrelas fixas. Se voltamos nossa vista
para o mundo das plantas, vemos o relacionamento terra-sol manifesto na sua
forma mais pura. Este é o caminho de conhecimento que Zaratustra desenvolveu na
Antiga Época Persa, o período no qual a agricultura teve sua origem. Este
caminho foi tomado novamente por Rudolf Steiner e apresentado no Curso Agrícola
numa forma apropriadada para a consciência da nossa época.
Sabedoria e Amor
O que podemos perceber deste
contraste entre o cósmico e o terrestre nesta imagem da planta? Aprendemos
como, com cada raio de sol, a sabedoria do cosmo se espalha na imagem da planta
que temos defronte dos nossos olhos; isto é acessível à nossa contemplação.
Encontramos um mundo que foi sabiamente ordenado por um criador. Goethe o
chamou ‘natureza divina’. Nesta sabedoria o cosmo está presente na terra, todas
as formas dos seres se originam daí. Esta sabedoria se nos apresenta no mundo
das plantas, domina no ambiente mineral e está incorporada no reino animal. Se
a tornamos em nossa própria sabedoria interior, nós gradualmente
desenvolveremos a faculdade de dar forma às nossas fazendas como organismos bem
redondos. Serão organismos nos quais as forças do cosmo e as forças das profundezas
da terra se ligam para formar uma unidade que é elevada acima do nível da
natureza, àquilo que Rudolf Steiner chama ‘um tipo de individualidade’. Isto é
possível porque temos a habilidade de captar esta sabedoria cósmica no nosso
pensar; o pensar está ligado à luz, aos céus. Se levamos esta sabedoria que
captamos no nosso pensar até à nossa vontade, levamo-la ao nosso trabalho,
então esta sabedoria se torna em realizações, realizações terrenas, porque a
nossa vontade está ligada às forças das profundezas da terra. Na nossa vontade
nós não estamos conscientemente acordados, por isto ela é tão escura. De
maneira semelhante a ação terrestre da sílica, do calcário, da argila e do
húmus é carregada na escuridão abaixo da terra. Na imagem interior da planta as
forças das alturas e aquelas das profundezas penetram-se uma na outra através
da luz e da escuridão. Na realidade do trabalho humano algo desta natureza
acontece na mútua penetração do pensar e da vontade..
A sabedoria que podemos tomar para
nós na terra a partir da observação do cosmo é aprofundada de uma forma jamais
sonhada pela antroposofia. Ela decifra o segredo da sabedoria que habita no
homem, ela aponta ao homem o caminho para o auto conhecimento e o instrui
através deste auto conhecimento, levando-o a entender na maior profundidade a
sabedoria cósmica que é derramada no mundo. O Curso de Agricultura nos dá, como
fazendeiros, fruticultores e agricultores, este caminho para aprofundarmos o
entendimento da conexão plena de sabedoria entre o cosmo e a terra. A Ciência
Espiritual antroposófica revela como isto se liga diretamente com o
conhecimento que adquirimos ao ver o cosmo a trabalhar na terra. A observação e
contemplação destes dois elementos ganha vida em nós como imagens de
pensamento, e estas penetram nossa vontade, preenchendo-a de luz e calor. No
brilho desta luz nossa consciência abre o caminho para transformar a vontade. A
sabedoria que adquirimos da antroposofia não simplesmente põe nossa vontade na
direção certa. Ela derrete e remove o egoísmo o auto interesse e as formas
escondidas de auto-centrismo da nossa
vontade, que é onde vive nosso ego. A sabedoria que tiramos da antroposofia
pode ter um efeito purificador na nossa vontade e trazer luz na nossa parte
escura. Pode transformar a vontade no que chamamos de amor espiritual.
Aprende-se a trabalhar a partir do amor. Auto interesse, desejo por sucesso e
poder, desaparecem no ar.
A inspiração da vontade a partir do
conhecimento da atuação cósmica é um aspecto. Do outro lado, o que é feito em
amor, a partir das profundezas da vontade, cria uma realidade completamente
nova vinda de baixo, algo que jamais esteve ali antes, que só acontece a partir
deste ato de amor; é a realidade da sabedoria nascida do amor. Aqui nós tocamos
o sacramento da transubstanciação, no qual o ser humano pode progredir de ser
criatura a criador a partir dos arduamente conquistados impulsos de liberdade;
é aqui que o cosmo pode encontrar seu futuro através do homem, na transformação
da sabedoria em amor e do amor em sabedoria.
fonte: Parte do texto A Fazenda entre a Terra e o Cosmo